Breve introdução ao FuturismoEm 20 de fevereiro de 1909, em Paris, o prestigioso jornal “Le Figaro” deu espaço, naprimeira página, aosenunciados em forma demanifesto de FilippoTommaso Marinetti, filho deum rico advogado italiano, com vocação para poeta, eeditor da revista “Poesia”, sancionando desse modo oinício do Futurismo. Mas porque a fórmula de ummanifesto programático? Foium meio novo e sedutor detornar conhecidas as ideias doFuturismo. Programático, pois declarava “antes” o que se faria “depois”. Uma atitude totalmente inovadora, pois eliminava da “criatividade” artística aquela aura ainda bohémienne do artista que encontra sua “inspiração” entre quatro paredes, e opunha a isso uma atitude completamente moderna, ou seja, o “projeto”. Novo também porque, adotando a práxis da publicidade, era distribuído capilarmente a todos, não apenas aos profissionais da arte, mas também pelas ruas, de porta em porta, nos trens, nas galerias teatrais mais distantes do palco e por aí afora. Para assinar aquele primeiro manifesto, Marinetti reunira um desmilinguido grupo de jovens pintores ainda desconhecidos, Umberto Boccioni, Carlo Carrà, Gino Severini e Luigi Russolo, acompanhados por um artista mais maduro e experiente, Giacomo Balla (que fora “mestre” de Boccioni e Severini). Logo se percebeu que Marinetti estava certo, pois o Futurismo rapidamente se popularizou em toda a Europa, e muitos artistas uniram-se aos primeiros que haviam aberto o caminho. Eram principalmente jovens e, entre eles, estava Depero que se tornou aluno de Giacomo Balla com quem, em 1915, assinou o manifesto revolucionário Reconstrução futurista do universo. Este documento teórico lançou as bases operacionais para que realmente se superasse a pintura e a escultura, ou seja, para que o Futurismo “transbordasse” na vida cotidiana: uma ideia que até então havia sido apenas intuída pelos primeiros futuristas: «Nós, futuristas, Balla e Depero – escreveram em seu manifesto de 1915 –, queremos realizar a fusão total para reconstruir o universo alegrando-o, ou seja, recriando-o integralmente. Daremos carne e osso ao invisível, ao impalpável, ao imponderável, ao imperceptível. Encontraremos os equivalentes abstratos de todas as formas e de todos os elementos do universo, e depois os reuniremos segundo os caprichos de nossa inspiração para formar complexos plásticos que poremos em movimento»1. Adesão de Depero ao Futurismo Foi fundamental para a formação artística de Depero, uma breve permanência em Turim, em 1909, onde fez um curso de escultura e conheceu o grande escultor Canonica. Assim, ao voltar à cidade de Rovereto, na região do Trentino, fez um estágio de um ano junto a um marmorista: experiência altamente formativa, pois revelará seu vigoroso talento plástico. Outro elemento importante de sua formação foi, por volta de 1913, o clima cultural particular de Rovereto. De um lado, sua adesão ao Futurismo já evidente e crescente2. E de outro, a forte influência da Europa Central da região do Trentino -que era na época a extrema periferia do sul do Império Austro-Húngaro- tanto pela sua posição geográfica quanto pela situação política. Em 1913, Depero publicou seu primeiro livro, Spezzature3, coleção de poesias, prosa, pensamentos e desenhos: uma miscelânea de sensações e de alusões entre Simbolismo e Futurismo com veladas nuances de Cubismo, na qual não faltam referências a Nietzsche, nos trechos em que Depero fala de «luzes cortantes, embriagantes reflexos dourados, vermelhos escarlates e amarelos bronze» obviamente assimilável a uma |
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Arabesco, 1913 Dinamismo, 1915 |
afirmação de Zarathustra: «o amarelo intenso e o vermelho ardente, eis o que deseja meu gosto que mistura o sangue a todas as cores»4. Em resumo, sua pintura, sua imagerie, apesar da simpatia pelo Futurismo, ainda permaneciam mais próximas ao grotesco, a certo moralismo dos caprichos de Goya, e de Daumier, ou Alberto Martini. Suas pinturas, naquele período, eram plásticas, viris e remetiam, estilisticamente, às de Egger-Lienz, um mestre da região dos Alpes, mais do que aos futuristas. No fim do ano, porém, Depero foi a Roma, visitou a exposição de Boccioni na futurista Galleria Sprovieri e ficou profundamente impressionado. A influência de Boccioni se tornou imediatamente perceptível em um breve, mas intenso, ciclo de esboços sobre o dinamismo, no qual já se notava um corte nítido em relação a sua produção anterior. Entretanto, se a mudança temática foi evidente, a passagem, do ponto de vista formal, foi mais gradativa. Estes primeiros trabalhos de transição (como, por exemplo, Ritmi di ballerina + clowns [Ritmos de bailarina + palhaços], do começo de 1914) foram executados com uma pintura densa, encorpada, espessa, uma pintura tipicamente “nórdica”, de fronteira. Logo em seguida, o encontro com Balla produziria mais um afastamento, desta vez de Boccioni. E no final de 1914, graças à mediação de Balla, Depero foi oficialmente aceito no grupo de pintores e escultores futuristas. As experimentações abstratas e com os ‘complexos plásticos’5 ocuparam Depero por dois anos, de 1914 a 1916, e atingiram o auge em sua grande exposição individual em Roma, em 1916. Mas, se o trabalho de pesquisa com Balla o exaltava e envolvia, ainda assim ele sentia a necessidade “aplicativa” das novas formulações contidas em Reconstrução. Os ‘complexos plásticos’ eram interessantes e inovadores, mas, ao mesmo tempo, pouco apreciados e de difícil realização prática. A consequência lógica, a esse ponto, foi o retorno à figuração, à reconhecibilidade. A sua aproximação ao teatro, em 1916, o ajudou a fazer isso. Foi um ano crucial nesse aspecto. Inventou, antes de tudo, uma síntese teatral intitulada Colori [Cores]: uma ação cênica de pura abstração, sem atores, os quais haviam sido substituídos por “individualidades abstratas”, imersas em um espaço cênico de cor. Em seguida, fez Mimismagia, da qual restaram alguns esboços do projeto dos figurinos. Esse novo trabalho teatral (como o primeiro que não saiu do papel) também enfatizava a “emoção expressa na dança mímicoacrobática com figurinos plásticos que se transformam”6. Mas no final de 1916, Depero conheceu Diaghilev, empresário dos Balés Russos, que visitou seu estúdio e encomendou a realização das cenas e dos figurinos plásticos para O Canto do Rouxinol, com músicas de Stravinsky. Depero chegou a fazer uma maquete em escala do grande cenário plástico e os esboços de todos os figurinos com colagem de papéis coloridos. Mas diversos contratempos na realização dos figurinos e principalmente do grande cenário (e em razão também do trabalho simultâneo de colaboração com os figurinos de Picasso para Parada) |
impediram-no de completar o trabalho no prazo previsto e nada se concretizou... O Canto do Rouxinol seria encenado apenas em 1920, em Paris, mas com figurinos de Matisse7. O fracasso do projeto para os Balés Russos, e a disponibilidade de certa quantidade de tecidos coloridos para figurinos teatrais (que não haviam sido usados) sugeriulhe a ideia de usá-los em substituição dos papéis das colagens que fazia naquele período. Surgiram, assim, os chamados “arazzi Depero”. No início, tratava-se de “mosaicos de tecidos coloridos” colados sobre um suporte de papelão. Depois, a cola foi substituída por fio e agulha e o papelão pelo tecido rústico de lençóis, e a técnica foi cada vez mais aperfeiçoada. O sucesso comercial foi quase imediato. Não faltavam encomendas de obras até mesmo de grandes dimensões. Por isso, algumas colaboradoras foram contratadas e, coordenadas por sua esposa Rosetta, produziram durante anos, sob a orientação de Depero, algumas das mais belas composições em tecidos coloridos do século XX8. A ideia destes trabalhos em tecido fora concebida em Capri, enquanto se hospedava na casa do poeta suíço Gilbert Clavel, com o qual idealizou I Balli Plastici [Os Bailes Plásticos], espetáculo que estreou na noite de 14 de abril de 1918, no Teatro dei Piccoli de Roma. Músicas de vanguarda e, como atores,... marionetes de madeira. Com este espetáculo Depero alcançou o ponto mais alto de sua experimentação teatral (que abandonou, depois dessa experiência, até a metade dos anos 20), fazendo a transposição do teatro de marionetes para a linguagem das novas formas cubistas-futuristas em que o diálogo, como bem observou Albert Sautier, é substituído pela pura mímica9. A pintura de Depero daquele período tornou-se terreno de “fixação”, de memória, mais do que de experimentação autônoma. E por se tratar de marionetes, sua transposição para a pintura tornou-se uma prática de exercícios de pulsões plásticas. Depero, de fato, com cinco anos de antecipação em relação ao Manifesto da Arte Mecânica, de Paladini e Pannaggi (1922), fizera, desde 1917, elaborações com marionetes, reduzindo-as a volumes essenciais, quase cubistas, uma espécie de estilização, não friamente mecânica, mas certamente mecânico-decorativa, como assinalou Bruno Passamani10. Pesquisas que haviam sido desencadeadas primeiramente em I Balli Plastici e que, em seguida, por meio das telas, passavam por mais um brusco desvio projetual no qual a robotização ou a decomposição volumétrica foi levada até as últimas consequências. No final dos anos 10, ventos de revisão começavam a soprar na Europa artística e transformaram os anseios e furores das vanguardas em angústias existenciais que buscavam estabilidade, referências. Tudo isso pode ser percebido no “retorno ao ofício de pintar” e a sólidos projetos. Busca-se em Giotto, em Paolo Uccello, em Piero della Francesca. Em 1916, Picasso, depois de romper a ordem da imagem, fez uma “peregrinação” a Pompeia, para redescobrir o Classicismo. Em fevereiro de 1919, na Galleria Bragaglia de Roma, Giorgio de Chirico, com seus manequins metafísicos, sacudiu o reduto do Futurismo. Depero, naquele momento, estava com De Chirico e Carrà na exposição de vanguarda da cidade de Viareggio. Depois, certamente visitou a exposição de temas metafísicos em Roma. Surgiu assim um conjunto de obras - Città meccanizzata dalle ombre [Cidade mecanizada pelas sombras], Io e mia moglie [Eu e minha esposa], La casa del Mago [A casa do Mago] e Lettrice e ricamatrice automatiche [Leitoras e bordadeiras automáticas] (aqui em exposição) – que se aproximam do tema metafísico, desviando-o para uma sensibilidade “ambiental” muito ‘deperiana’ que se serve do clima mágico de seu laboratório de arazzi de Rovereto, que foi muitas vezes associado à ideia de magia criativa sobrenatural ou meta-física. A visão de Depero era, assim, uma nova e sucessiva visão da realidade que se colocava entre o metafísico e o mágico. Já outras obras viveram de ênfase decorativa, como Ciociara, e confirmaram a atipicidade de sua militância futurista. Carlo Belli definiu o conjunto dessas obras atípicas como pertencentes ao “neoclassicismo metafísico” de Depero. Não atribuía ao termo “neoclássico” seu significado mais comum. Em suas palavras, «não se trata da retomada de modelos clássicos, mais ou menos antigos, como aconteceu no mísero Novecentismo da pintura e da literatura de alguns artistas italianos já militantes do Futurismo, mas, tratando-se de Depero, é a instauração de um sentimento clássico novo e vigoroso, em oposição aos romantismos, impressionismos, simbolismos e... neoclassicismos»11. As modalidades destas poéticas foram uma espécie de “obsessão” a solidificar os vagos fluxos deixados no ar pelo impressionismo, a abolição dos meios- tons, o recurso à “musa mecânica” e a violência cromática encerrada em fundos bem delineados, em geral com efeito tridimensional. É, enfim, bastante evidente que nesse momento Depero estava à frente do próprio Futurismo. No início de 1919, aconteceu em Milão a Exposição Nacional Futurista, na qual Marinetti reuniu o melhor dos futuristas sobreviventes e as jovens levas, para relançar o Futurismo do pós-guerra. A guerra havia dizimado o movimento: Boccioni e Sant’Elia estavam mortos, Carrà havia se desgarrado e tendia a temas metafísicos, Sironi se desviava na direção do futuro ‘Novecento’ da pintura italiana e Severini e Russolo haviam-se perdido ao longo do caminho. Depero também foi convidado para a exposição e participou com mais de oitenta obras de pintura ou de arte aplicada. Retornou em seguida a Rovereto, encontrou-a destruída pelos eventos bélicos e, naquele clima de reconstrução, fundou sua Casa d’Arte Futurista que, graças às suas contínuas e certeiras idealizações, tornou-se a mais conhecida e apreciada ao longo dos anos 20 e, com altos e baixos (e transferências temporárias a Paris e a Nova York) permaneceu em atividade até o início dos anos 40. |
Clavel nella funicolare [Clavel em funicular], 1918 Ritratto del futurista Azari [Retrato de futurista Azari], 1922 |
È evidente que a produção de Depero sempre teve caráter
artesanal, e nunca atingiu a escala de produção que teria
sido necessária para penetrar em mercados vastos, como,
por exemplo, o norte-americano. Mas isso teria prejudicado
a qualidade e a possibilidade de que o artista mantivesse
controle direto sobre cada uma das obras. Foi, portanto,
uma decisão consciente, intencional e talvez até sugerida
pela leitura do manifesto Bauhaus, de 1919, que incitava:
«Arquitetos, escultores, pintores, devemos, todos nós, voltar
ao artesanato! Não existe arte “profissional”. Não existe
nenhuma diferença fundamental entre o artista e o artesão...
Formemos, então, uma nova corporação de artesãos..»12.
Que Depero estivesse a par do manifesto de Gropius é
uma possibilidade por nada remota (já que manteve relações
culturais e escolares com os ex-colegas da Scuola Reale
Elisabettina13 que foram em seguida estudar em Viena ou
em Munique). E ele certamente só podia estar em sintonia
com tal manifesto.
Os anos 20, do “Retorno à ordem” até New York
Os anos 20 para a vanguarda, mas principalmente para o
Futurismo, celebraram o triunfo da “Máquina”. Na França já
se publicava há algum tempo a revista “L’Esprit Nouveau”,
na qual Ozenfant e Le Corbusier levavam adiante suas
ideias “puristas” de maquinismo na pintura. A pintura de
Depero, nos anos 20, mostrou relevante convergência com
essas ideias: assumiu tons metálicos e polidos, ou seja,
mecânicos. E não podemos esquecer que ele trabalhava
conceitualmente sobre o tema da “mecanização” desde
1918, ou seja, desde os tempos de “Bailes Plásticos”. Além
disso, em seu “Libro bullonato” [Livro parafusado], lançado
em 1927 (mas que resume atividades e teorias desde 1913),
publicou o manifesto que celebrava a Máquina e o Estilo de
aço, no qual afirma: «Adoro os motores, adoro as
locomotivas, inspiram-me um otimismo inquebrantável...»14,
mas não se rendia completamente ao domínio do “metal” e
o conjugava o máximo possível com os elementos naturais
(como na pintura Alto paesaggio d’acciaio [Alta paisagem
de aço]). Durante o mesmo ano, em Nova York, houve a
apoteose da Era Mecânica com a monumental exposição
Machine-Age, cujo catálogo foi coerentemente ilustrado
com uma capa de Léger. Ainda em 1927, na Casa d’Arte
Bragaglia foi encenada a pessimista L’Angoscia delle
macchine [Angústia das máquinas], de Ruggero Vasari. A
década se encerrou com o manifesto (1928) promovido por
Fedele Azari Per una società di protezione delle macchine
[Por uma sociedade de proteção às máquinas]: «A máquina
enriqueceu nossa vida... eliminará definitivamente a pobreza
e, portanto, a luta de classes»15. Mas, pouco antes disso,
em 1925, acontecera em Paris a Exposição Internacional
de Artes Decorativas e Industriais Modernas, que
consagrara definitivamente o estilo chamado Art Déco
(conhecido também como “Estilo 1925”): na realidade, uma
miscelânea de tendências que tinham em comum a aplicação
estética de materiais caseiros de uso corrente. Balla,
Depero e Prampolini, com seus trabalhos com tintas opacas
e compactas, sentiram-se perfeitamente à vontade na
Exposição e não só: do ponto de vista deles, tudo era
futurista na Exposição, e chegaram a declarar aos jornais
italianos que «Paris foi invadida pelo Futurismo!...»16. Depero
expôs grande quantidade de tecidos e muitas composições
de madeira, brinquedos e objetos de decoração, além de
diversos exemplares de suas coloridíssimas publicidades
feitas com colagem de papéis coloridos. A manifestação
parisiense foi muito importante para Depero, tanto pelo
relativo sucesso de vendas quanto pelos contatos de nível
internacional que o fizeram vislumbrar a possibilidade de
jogar a cartada americana, e já em 1926 participou da
exposição itinerante de Arte Italiana que passou por Nova
York, Washington e Boston na qual expôs, entre outros,
Gara ippica tra le nubi [Corrida de cavalos entre as nuvens]
(em exposição aqui), obra muito dinâmica e muito déco.
Todo o trabalho de Depero ao longo dessa década
desenvolveu-se com grande intensidade e violência
cromática e compositiva, e certamente enriqueceu e
dinamizou o panorama das artes aplicadas na Itália, não
apenas em termos estilísticos, mas também no campo da
experimentação de materiais, como no caso de seu “arazzomosaico
de tecido” que, além de ser uma feliz inovação
técnica, foi também o exemplo mais típico do encontro entre
“arte” e “ofício” em nível artesanal. Com um detalhe, porém.
Os arazzi de Depero tiveram, na época, uma função
propositiva de forte “ruptura”, com seu aspecto teórico e
de vanguarda, que quase ninguém percebeu e
especialmente os críticos não perceberam (e poucos
percebem até mesmo hoje). Em outras palavras, sua
experimentação com materiais “não pictóricos” tencionava
também indicar que a época do
quadro-pintura estava chegando
ao fim. Não era por acaso que
definia seus arazzi como “quadros
de tecido”. Em relação ainda às
artes aplicadas, e em particular à
publicidade, os anos entre 1924 e
1928 foram dos mais intensos para
Depero. Trabalhou muitíssimo para
diferentes empresas como
Verzocchi (tijolos refratários),
Richard Ginori (cerâmicas), Alberti
(Licor Strega), Bianchi (bicicletas),
Linoleum (pisos), Pathé (Cinema)’
Schering (farmacêutica),
Presbitero (lápis de cor), Vido
(nougat), Banfi (sabonetes), Rim
(digestivos), Rimmel (cosméticos)
e muitas outras. Mas foi
principalmente com a empresa
milanesa, produtora dos famosos
Bitter e Cordial Campari, que
Depero manteve uma estreita relação desde a metade dos
anos 20 até o início dos anos 3017. Para a Campari, Depero
produziu um enorme volume de esboços, nanquins, colagens
de papéis coloridos, projetos para maquetes publicitárias,
dos quais só uma mínima parte foi utilizada. Finalmente, em
setembro de 1928, partiu para New York onde foi o único
futurista a viver, de modo não ocasional, uma experiência
na grande metrópole norte-americana18. Realizou as
ambientações do Ristorante Zucca (toda a decoração e
pinturas murais) e do Ristorante Enrico and Paglieri
(infelizmente ambas perdidas), estudou soluções cênicas e
figurinos para o Roxy Theatre, figurinos para o balé American
Sketches, e para coreografias idealizadas por ele mesmo
como Cifre e Motolampade. Trabalhava também com
publicidade e ilustração, realizando capas de revistas como
“Vogue”, “Vanity Fair”, “Sparks”, “The New Yorker”, “New
Auto Atlas”, “Atlantica”, e outras.
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Arance di Sicilia [laranjas sicilianas], 1927 |
Depero e i grattacieli [Depero e arranha-céus], 1930 |
Depois de New York. O Museu Depero
A experiência americana modificou profundamente Depero, eliminando aquele impulso vital em relação ao futuro que o animava. Nova York, com seus altos arranha-céus luminosos, mas com suas tristes periferias degradadas, mostrou-lhe o verdadeiro semblante do futuro tecnológico que os futuristas italianos sonhavam. E esse futuro não era a cidade radiante imaginada pelos futuristas, mas um caótico e pululante caldeirão de raças e pessoas aflitas, arquejantes, violentas e assustadas. Não era um futuro para o bem do ser humano e sim, talvez, sua prisão tecnológica. Voltou então para suas montanhas, na região do Trentino, e retomou o contato com a realidade, com a concretude, com os valores da terra e da família. O retorno à pintura ressentiu-se deste estado emocional e do colapso do impulso criativo sofrido pelo fato de ter “verificado” aquele futuro tão ansiado. Nada mais tinha a imaginar. E nada com que sonhar. Sua alegria natural estava congelada e seu pincel também. Desacelerou também suas atividades de gráfico publicitário, que o tornaram conhecido ao longo dos anos 20 e passou a dedicase à escrita: teoria e prosa. Publicou alguns números de uma bela revista, “Dinamo futurista” (1933), compôs e publicou Liriche radiofoniche (1934), concebidas especialmente para a leitura radiofônica, e anunciou diversas vezes um livro sonoro sobre a experiência nova-iorquina, New York Film vissuto [Nova York, filme vivido], que esboçou em grande parte mas que nunca veio à luz. Tratouse da última “onda longa” da experiência americana que de algum modo permaneceu em sua memória de visão por muitos anos ainda. A essa altura, também suas conexões com o Futurismo militante (do qual continuaria para sempre a proclamar-se militante) eram cada vez mais raras. Acabou se tornando, contra sua vontade, “mestre” de inúmeros jovens futuristas da província de Veneza que frequentam periodicamente Rovereto para homenageá-lo: era a chamada “terceira geração” que lhe dava a impressão de que seu início como futurista estava ainda mais distante. Em 1941, realizou um grande mosaico em Roma para a Exposição Universal de 1942 (a E42), mas uma nova guerra estava sendo travada e Depero refugiou-se na tranquilidade alpina da pequena localidade de Serrada, que muitas vezes retratou em seus quadros. Lá, começou a pensar em seu futuro museu: quase um paradoxo para um futurista que gritava «vamos queimar museus e academias!». Assim que a guerra acabou, tentou retomar os fios de sua carreira e decidiu tentar uma nova aventura americana, mas encontrou uma Nova York quase hostil, fechada ao Futurismo: a guerra acabara há pouco tempo e as diferenças ideológicas ainda estavam muito vivas. Como se não bastasse, o inverno 1947-48 foi um dos mais frios de que se tinha memória em New York. Nos primeiros meses Depero não encontrou casa para morar, seja porque tinha pouco dinheiro seja porque as vendas estavam paralisadas. Por isso, passava as noites num sofá-cama que um amigo havia colocado a sua disposição no escritório da empresa Never Rust (“Ferrugem, jamais”!), que produzia camas, parapeitos e outros artigos de ferro. Depero só podia entrar no escritório depois do fim do expediente, e tinha de sair antes que os funcionários chegassem. Durante o dia vagueava pela cidade, tremendo de frio, em busca de algum cliente. À noite, cansado e arrasado, podia aquecer-se naquele pequeno refúgio. O nome da empresa soava como uma ironia a seus ouvidos. Mas Nova York colocou-o em contato com os surrealistas e com o interesse antropológico, o que trouxe uma lufada de novidade à produção dos últimos anos. Felizmente, na primavera de 1948 sua esposa Rosetta reuniu-se a ele e, juntos, transferiram-se a Merryhall, perto de New Milford no Connecticut, hóspedes na casa da esposa de William Hillman, secretario do presidente dos Estados Unidos, Truman. Muitas das obras do período entre a metade dos anos 30 até os anos 50 trazem a marca de um vivo interesse rural. Às vezes, objetos de uso doméstico (Natura morta accesa [Natureza morta acesa]), às vezes grupos de casas ou vistas de montanha (Ritmi alpestre [Ritmos alpinos]), outras vezes os ritmos de trabalho e eventos do cotidiano. Neste contexto, que é tudo menos sinônimo de modernidade, nestas visões penosas, manifestadamente estáticas, Depero introduzia simbologias futuristas, como fossem bocados de memória, e plasmava a paisagem alpina, como se fosse um cristal. Em 1944 pintou Rito e splendori d’osteria [Rito e esplendores de taberna] que assinalou um firme retorno à melhor pintura: interpenetrações, arquitetura da luz, perspectiva múltipla, aparente monocromia, mas usada com inteligência. E, em seguida, revisitou a si próprio, com uma série de obras que retomavam a memória dos melhores momentos além do dinamismo e a análise do movimento (Nitrito in velocità [Relinche em velocidade] e Colpo di vento [Rajada de vento] ). Trata-se de obras que, conforme o êxito que atingiam, ao unir estilos e no novo e esplendoroso cromatismo, assumem tons poéticos e representam bem o caminho do artista durante os últimos anos, dividido entre a incógnita de seu futuro artístico e a saudade de seus melhores anos. |
Notas
1 Giacomo Balla e Fortunato Depero, Ricostruzione futurista dell’Universo [Reconstrução futurista do universo], folhetomanifesto, Milão, 1915. 2 Depero foi assinante da revista “Lacerba” desde os primeiros números. 3 “Quebras”, sentido aproximado em português [N.t] 4 Trecho citado por Maurizio Calvesi na análise dos motivios originários do Futurismo, in “L’Arte Moderna”, vol. V, Milano, 1973. 5 ‘Complexos plásticos’: composições não figurativas de papelão, metal, seda e outros materiais de uso comu [N.t.]. 6 Mario Broglio, L’Esposizione romana di Depero, in “Cronache d’Attualità”, Roma, 31 maggio 1916. 7 Para uma análise detalhada do trabalho de Depero por Diaghilev: Bruno Passamani, Depero e la scena da “Colori” alla scena mobile 1916-1930, Torino, 1970. 8 Sobre as vicissitudes relativas à produção do laboratório dos arazzi: Maurizio Scudiero, Depero. Magia degli arazzi, Trento, 1992, e também: Maurizio Scudiero, Depero. Stoffe futuriste, Trento, 1995. 9 Referência a Tanzende Plastik (Plasticità danzante), publicado em “Neue Zürcher Zeitung”, Zurigo, 19 maggio 1918 (artigo anônimo mas de Albert Sautier). 10 Bruno Passamani, Splendore d’acciaio: Depero e la Macchina, in Depero (monografia), Rovereto, 1981. 11 “Rovente futurista”, n. 7-8, Parma, 1923. 12 Walter Gropius, Programm des Staatlichen Bauhauses in Weimar, in Bauhaus. Weimar, Dessau, Berlin, Chicago, curador Hans M. Wingler, MIT, Cambridge, 1981. 13 Escola de nível superior em Rovereto criada quando a cidade fazia parte do Império Austro-Húngaro e orientada às artes aplicadas [N.t.]. 14 Fortunato Depero, Depero futurista 1913-1927, Milano, Dinamo-Azari, 1927. 15 in: Luigi Scrivo, Sintesi del Futurismo. Storia e Documenti, Roma, Bulzoni, 1968. 16 P.L. Fortunati, Futuristi italiani all’Esposizione Internazionale d’Arte Decorativa di Parigi, in “L’Impero”, Roma, 21 giugno 1925. 17 Sobre essa questão: Maurizio Scudiero, Depero per Campari, Milano, 1989. 18 Sobre a experiência nova-iorquina de Depero: Maurizio Scudiero e David Leiber, Depero futurista & New York, Rovereto,1986. |
Info mostra
DEPERO FUTURISTA E ARTISTA GLOBAL
PUCP, Pontificia Universidad Católica del Perú
Lima, Perù
Date della mostra:
18 maggio – 2 luglio 2016