Depero futurista e artista global
A cura di Maurizio Scudiero
PUCP, Pontificia Universidad Católica del Perú, Lima, Perù
18 maggio – 2 luglio 2016
DEPERO. ATRAVEs do FUTURIsMO
Maurizio Scudiero
Curador do Arquivo Depero
Breve introdução ao FuturismoEm 20 de fevereiro de 1909, em Paris, o prestigioso jornal “Le Figaro” deu espaço, naprimeira página, aosenunciados em forma demanifesto de FilippoTommaso Marinetti, filho deum rico advogado italiano, com vocação para poeta, eeditor da revista “Poesia”, sancionando desse modo oinício do Futurismo. Mas porque a fórmula de ummanifesto programático? Foium meio novo e sedutor detornar conhecidas as ideias doFuturismo. Programático, pois
declarava “antes” o que se
faria “depois”. Uma atitude
totalmente inovadora, pois
eliminava da “criatividade”
artística aquela aura ainda
bohémienne do artista que
encontra sua “inspiração”
entre quatro paredes, e
opunha a isso uma atitude
completamente moderna, ou seja, o “projeto”. Novo
também porque, adotando a práxis da publicidade, era
distribuído capilarmente a todos, não apenas aos
profissionais da arte, mas também pelas ruas, de porta em
porta, nos trens, nas galerias teatrais mais distantes do
palco e por aí afora. Para assinar aquele primeiro manifesto,
Marinetti reunira um desmilinguido grupo de jovens pintores
ainda desconhecidos, Umberto Boccioni, Carlo Carrà, Gino
Severini e Luigi Russolo, acompanhados por um artista mais
maduro e experiente, Giacomo Balla (que fora “mestre” de
Boccioni e Severini). Logo se percebeu que Marinetti estava
certo, pois o Futurismo rapidamente se popularizou em toda
a Europa, e muitos artistas uniram-se aos primeiros que
haviam aberto o caminho. Eram principalmente jovens e,
entre eles, estava Depero que se tornou aluno de Giacomo
Balla com quem, em 1915, assinou o manifesto
revolucionário Reconstrução futurista do universo. Este
documento teórico lançou as bases operacionais para que
realmente se superasse a pintura e a escultura, ou seja,
para que o Futurismo
“transbordasse” na vida
cotidiana: uma ideia que até
então havia sido apenas intuída
pelos primeiros futuristas: «Nós,
futuristas, Balla e Depero –
escreveram em seu manifesto
de 1915 –, queremos realizar a
fusão total para reconstruir o
universo alegrando-o, ou seja,
recriando-o integralmente.
Daremos carne e osso ao
invisível, ao impalpável, ao
imponderável, ao imperceptível.
Encontraremos os equivalentes
abstratos de todas as formas e
de todos os elementos do
universo, e depois os
reuniremos segundo os
caprichos de nossa inspiração
para formar complexos plásticos
que poremos em movimento»1.
Adesão de Depero ao Futurismo
Foi fundamental para a formação
artística de Depero, uma breve
permanência em Turim, em 1909, onde fez um curso de
escultura e conheceu o grande escultor Canonica. Assim,
ao voltar à cidade de Rovereto, na região do Trentino, fez
um estágio de um ano junto a um marmorista: experiência
altamente formativa, pois revelará seu vigoroso talento
plástico. Outro elemento importante de sua formação foi,
por volta de 1913, o clima cultural particular de Rovereto.
De um lado, sua adesão ao Futurismo já evidente e
crescente2. E de outro, a forte influência da Europa Central
da região do Trentino -que era na época a extrema periferia
do sul do Império Austro-Húngaro- tanto pela sua posição
geográfica quanto pela situação política. Em 1913, Depero
publicou seu primeiro livro, Spezzature3, coleção de poesias,
prosa, pensamentos e desenhos: uma miscelânea de
sensações e de alusões entre Simbolismo e Futurismo com
veladas nuances de Cubismo, na qual não faltam referências
a Nietzsche, nos trechos em que Depero fala de «luzes
cortantes, embriagantes reflexos dourados, vermelhos
escarlates e amarelos bronze» obviamente assimilável a uma
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Arabesco, 1913
Dinamismo, 1915
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afirmação de Zarathustra: «o amarelo intenso e o vermelho
ardente, eis o que deseja meu gosto que mistura o sangue
a todas as cores»4. Em resumo, sua pintura, sua imagerie,
apesar da simpatia pelo Futurismo, ainda permaneciam mais
próximas ao grotesco, a certo moralismo dos caprichos de
Goya, e de Daumier, ou Alberto Martini. Suas pinturas,
naquele período, eram plásticas, viris e remetiam,
estilisticamente, às de Egger-Lienz, um mestre da região
dos Alpes, mais do que aos futuristas. No fim do ano, porém,
Depero foi a Roma, visitou a exposição de Boccioni na
futurista Galleria Sprovieri e ficou profundamente
impressionado. A influência de Boccioni se tornou
imediatamente perceptível em um breve, mas intenso, ciclo
de esboços sobre o dinamismo, no qual já se notava um
corte nítido em relação a sua produção anterior. Entretanto,
se a mudança temática foi evidente, a passagem, do ponto
de vista formal, foi mais gradativa. Estes primeiros trabalhos
de transição (como, por exemplo, Ritmi di ballerina + clowns
[Ritmos de bailarina + palhaços], do começo de 1914) foram
executados com uma pintura densa, encorpada, espessa,
uma pintura tipicamente “nórdica”, de fronteira. Logo em
seguida, o encontro com Balla produziria mais um
afastamento, desta vez de Boccioni. E no final de 1914,
graças à mediação de Balla, Depero foi oficialmente aceito
no grupo de pintores e escultores futuristas.
As experimentações abstratas e com os ‘complexos
plásticos’5 ocuparam Depero por dois anos, de 1914 a 1916,
e atingiram o auge em sua grande exposição individual em
Roma, em 1916. Mas, se o trabalho de pesquisa com Balla
o exaltava e envolvia, ainda assim ele sentia a necessidade
“aplicativa” das novas formulações contidas em
Reconstrução. Os ‘complexos plásticos’ eram interessantes
e inovadores, mas, ao mesmo tempo, pouco apreciados e
de difícil realização prática. A consequência lógica, a esse
ponto, foi o retorno à figuração, à reconhecibilidade. A sua
aproximação ao teatro, em 1916, o ajudou a fazer isso. Foi
um ano crucial nesse aspecto. Inventou, antes de tudo, uma
síntese teatral intitulada Colori [Cores]: uma ação cênica
de pura abstração, sem atores, os quais haviam sido
substituídos por “individualidades abstratas”, imersas em
um espaço cênico de cor. Em seguida, fez Mimismagia, da
qual restaram alguns esboços do projeto dos figurinos. Esse
novo trabalho teatral (como o primeiro que não saiu do papel)
também enfatizava a “emoção expressa na dança mímicoacrobática
com figurinos plásticos que se transformam”6.
Mas no final de 1916, Depero conheceu Diaghilev,
empresário dos Balés Russos, que visitou seu estúdio e
encomendou a realização das cenas e dos figurinos plásticos
para O Canto do Rouxinol, com músicas de Stravinsky.
Depero chegou a fazer uma maquete em escala do grande
cenário plástico e os esboços de todos os figurinos com
colagem de papéis coloridos. Mas diversos contratempos
na realização dos figurinos e principalmente do grande
cenário (e em razão também do trabalho simultâneo de
colaboração com os figurinos de Picasso para Parada)
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impediram-no de completar o trabalho no prazo previsto e
nada se concretizou... O Canto do Rouxinol seria encenado
apenas em 1920, em Paris, mas com figurinos de Matisse7.
O fracasso do projeto para os Balés Russos, e a
disponibilidade de certa quantidade de tecidos coloridos
para figurinos teatrais (que não haviam sido usados) sugeriulhe
a ideia de usá-los em substituição dos papéis das
colagens que fazia naquele período. Surgiram, assim, os
chamados “arazzi Depero”. No início, tratava-se de
“mosaicos de tecidos coloridos” colados sobre um suporte
de papelão. Depois, a cola foi substituída por fio e agulha e
o papelão pelo tecido rústico de lençóis, e a técnica foi
cada vez mais aperfeiçoada. O sucesso comercial foi quase
imediato. Não faltavam encomendas de obras até mesmo
de grandes dimensões. Por isso, algumas colaboradoras
foram contratadas e, coordenadas por sua esposa Rosetta,
produziram durante anos, sob a orientação de Depero,
algumas das mais belas composições em tecidos coloridos
do século XX8. A ideia destes trabalhos em tecido fora
concebida em Capri, enquanto se hospedava na casa do
poeta suíço Gilbert Clavel, com o qual idealizou I Balli
Plastici [Os Bailes Plásticos], espetáculo que estreou na
noite de 14 de abril de 1918, no Teatro dei Piccoli de Roma.
Músicas de vanguarda e, como atores,... marionetes de
madeira. Com este espetáculo Depero alcançou o ponto
mais alto de sua experimentação teatral (que abandonou,
depois dessa experiência, até a metade dos anos 20),
fazendo a transposição do teatro de marionetes para a
linguagem das novas formas cubistas-futuristas em que o
diálogo, como bem observou Albert Sautier, é substituído
pela pura mímica9. A pintura de Depero daquele período
tornou-se terreno de “fixação”, de memória, mais do que
de experimentação autônoma. E por se tratar de marionetes,
sua transposição para a pintura tornou-se uma prática de
exercícios de pulsões plásticas. Depero, de fato, com cinco
anos de antecipação em relação ao Manifesto da Arte
Mecânica, de Paladini e Pannaggi (1922), fizera, desde
1917, elaborações com marionetes, reduzindo-as a volumes
essenciais, quase cubistas, uma espécie de estilização, não
friamente mecânica, mas certamente mecânico-decorativa,
como assinalou Bruno Passamani10. Pesquisas que haviam
sido desencadeadas primeiramente em I Balli Plastici e que,
em seguida, por meio das telas, passavam por mais um
brusco desvio projetual no qual a robotização ou a
decomposição volumétrica foi levada até as últimas
consequências.
No final dos anos 10, ventos de revisão começavam a soprar
na Europa artística e transformaram os anseios e furores
das vanguardas em angústias existenciais que buscavam
estabilidade, referências. Tudo isso pode ser percebido no
“retorno ao ofício de pintar” e a sólidos projetos. Busca-se
em Giotto, em Paolo Uccello, em Piero della Francesca.
Em 1916, Picasso, depois de romper a ordem da imagem,
fez uma “peregrinação” a Pompeia, para redescobrir o
Classicismo. Em fevereiro de 1919, na Galleria Bragaglia
de Roma, Giorgio de Chirico, com seus manequins
metafísicos, sacudiu o reduto do Futurismo. Depero, naquele
momento, estava com De Chirico e Carrà na exposição de
vanguarda da cidade de Viareggio. Depois, certamente
visitou a exposição de temas metafísicos em Roma. Surgiu
assim um conjunto de obras - Città meccanizzata dalle ombre
[Cidade mecanizada pelas sombras], Io e mia moglie [Eu e
minha esposa], La casa del Mago [A casa do Mago] e
Lettrice e ricamatrice automatiche [Leitoras e bordadeiras
automáticas] (aqui em exposição) – que se aproximam do
tema metafísico, desviando-o para uma sensibilidade
“ambiental” muito ‘deperiana’ que se serve do clima mágico
de seu laboratório de arazzi de Rovereto, que foi muitas
vezes associado à ideia de magia criativa sobrenatural ou
meta-física. A visão de Depero era, assim, uma nova e
sucessiva visão da realidade que se colocava entre o
metafísico e o mágico. Já outras obras viveram de ênfase
decorativa, como Ciociara, e confirmaram a atipicidade de
sua militância futurista. Carlo Belli definiu o conjunto dessas
obras atípicas como pertencentes ao “neoclassicismo
metafísico” de Depero. Não atribuía ao termo “neoclássico”
seu significado mais comum. Em suas palavras, «não se
trata da retomada de modelos clássicos, mais ou menos
antigos, como aconteceu no mísero Novecentismo da
pintura e da literatura de alguns artistas italianos já militantes
do Futurismo, mas, tratando-se de Depero, é a instauração
de um sentimento clássico novo e vigoroso, em oposição
aos romantismos, impressionismos, simbolismos e...
neoclassicismos»11. As modalidades destas poéticas foram
uma espécie de “obsessão” a solidificar os vagos fluxos
deixados no ar pelo impressionismo, a abolição dos meios-
tons, o recurso à “musa mecânica” e a violência cromática
encerrada em fundos bem delineados, em geral com efeito
tridimensional. É, enfim, bastante evidente que nesse
momento Depero estava à frente do próprio Futurismo.
No início de 1919, aconteceu em Milão a Exposição Nacional
Futurista, na qual Marinetti reuniu o melhor dos futuristas
sobreviventes e as jovens levas, para relançar o Futurismo
do pós-guerra. A guerra havia dizimado o movimento:
Boccioni e Sant’Elia estavam mortos, Carrà havia se
desgarrado e tendia a temas metafísicos, Sironi se desviava
na direção do futuro ‘Novecento’ da pintura italiana e Severini
e Russolo haviam-se perdido ao longo do caminho. Depero
também foi convidado para a exposição e participou com
mais de oitenta obras de pintura ou de arte aplicada.
Retornou em seguida a Rovereto, encontrou-a destruída
pelos eventos bélicos e, naquele clima de reconstrução,
fundou sua Casa d’Arte Futurista que, graças às suas
contínuas e certeiras idealizações, tornou-se a mais
conhecida e apreciada ao longo dos anos 20 e, com altos e
baixos (e transferências temporárias a Paris e a Nova York)
permaneceu em atividade até o início dos anos 40.
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Clavel nella funicolare [Clavel em funicular], 1918
Ritratto del futurista Azari [Retrato de futurista Azari], 1922
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È evidente que a produção de Depero sempre teve caráter
artesanal, e nunca atingiu a escala de produção que teria
sido necessária para penetrar em mercados vastos, como,
por exemplo, o norte-americano. Mas isso teria prejudicado
a qualidade e a possibilidade de que o artista mantivesse
controle direto sobre cada uma das obras. Foi, portanto,
uma decisão consciente, intencional e talvez até sugerida
pela leitura do manifesto Bauhaus, de 1919, que incitava:
«Arquitetos, escultores, pintores, devemos, todos nós, voltar
ao artesanato! Não existe arte “profissional”. Não existe
nenhuma diferença fundamental entre o artista e o artesão...
Formemos, então, uma nova corporação de artesãos..»12.
Que Depero estivesse a par do manifesto de Gropius é
uma possibilidade por nada remota (já que manteve relações
culturais e escolares com os ex-colegas da Scuola Reale
Elisabettina13 que foram em seguida estudar em Viena ou
em Munique). E ele certamente só podia estar em sintonia
com tal manifesto.
Os anos 20, do “Retorno à ordem” até New York
Os anos 20 para a vanguarda, mas principalmente para o
Futurismo, celebraram o triunfo da “Máquina”. Na França já
se publicava há algum tempo a revista “L’Esprit Nouveau”,
na qual Ozenfant e Le Corbusier levavam adiante suas
ideias “puristas” de maquinismo na pintura. A pintura de
Depero, nos anos 20, mostrou relevante convergência com
essas ideias: assumiu tons metálicos e polidos, ou seja,
mecânicos. E não podemos esquecer que ele trabalhava
conceitualmente sobre o tema da “mecanização” desde
1918, ou seja, desde os tempos de “Bailes Plásticos”. Além
disso, em seu “Libro bullonato” [Livro parafusado], lançado
em 1927 (mas que resume atividades e teorias desde 1913),
publicou o manifesto que celebrava a Máquina e o Estilo de
aço, no qual afirma: «Adoro os motores, adoro as
locomotivas, inspiram-me um otimismo inquebrantável...»14,
mas não se rendia completamente ao domínio do “metal” e
o conjugava o máximo possível com os elementos naturais
(como na pintura Alto paesaggio d’acciaio [Alta paisagem
de aço]). Durante o mesmo ano, em Nova York, houve a
apoteose da Era Mecânica com a monumental exposição
Machine-Age, cujo catálogo foi coerentemente ilustrado
com uma capa de Léger. Ainda em 1927, na Casa d’Arte
Bragaglia foi encenada a pessimista L’Angoscia delle
macchine [Angústia das máquinas], de Ruggero Vasari. A
década se encerrou com o manifesto (1928) promovido por
Fedele Azari Per una società di protezione delle macchine
[Por uma sociedade de proteção às máquinas]: «A máquina
enriqueceu nossa vida... eliminará definitivamente a pobreza
e, portanto, a luta de classes»15. Mas, pouco antes disso,
em 1925, acontecera em Paris a Exposição Internacional
de Artes Decorativas e Industriais Modernas, que
consagrara definitivamente o estilo chamado Art Déco
(conhecido também como “Estilo 1925”): na realidade, uma
miscelânea de tendências que tinham em comum a aplicação
estética de materiais caseiros de uso corrente. Balla,
Depero e Prampolini, com seus trabalhos com tintas opacas
e compactas, sentiram-se perfeitamente à vontade na
Exposição e não só: do ponto de vista deles, tudo era
futurista na Exposição, e chegaram a declarar aos jornais
italianos que «Paris foi invadida pelo Futurismo!...»16. Depero
expôs grande quantidade de tecidos e muitas composições
de madeira, brinquedos e objetos de decoração, além de
diversos exemplares de suas coloridíssimas publicidades
feitas com colagem de papéis coloridos. A manifestação
parisiense foi muito importante para Depero, tanto pelo
relativo sucesso de vendas quanto pelos contatos de nível
internacional que o fizeram vislumbrar a possibilidade de
jogar a cartada americana, e já em 1926 participou da
exposição itinerante de Arte Italiana que passou por Nova
York, Washington e Boston na qual expôs, entre outros,
Gara ippica tra le nubi [Corrida de cavalos entre as nuvens]
(em exposição aqui), obra muito dinâmica e muito déco.
Todo o trabalho de Depero ao longo dessa década
desenvolveu-se com grande intensidade e violência
cromática e compositiva, e certamente enriqueceu e
dinamizou o panorama das artes aplicadas na Itália, não
apenas em termos estilísticos, mas também no campo da
experimentação de materiais, como no caso de seu “arazzomosaico
de tecido” que, além de ser uma feliz inovação
técnica, foi também o exemplo mais típico do encontro entre
“arte” e “ofício” em nível artesanal. Com um detalhe, porém.
Os arazzi de Depero tiveram, na época, uma função
propositiva de forte “ruptura”, com seu aspecto teórico e
de vanguarda, que quase ninguém percebeu e
especialmente os críticos não perceberam (e poucos
percebem até mesmo hoje). Em outras palavras, sua
experimentação com materiais “não pictóricos” tencionava
também indicar que a época do
quadro-pintura estava chegando
ao fim. Não era por acaso que
definia seus arazzi como “quadros
de tecido”. Em relação ainda às
artes aplicadas, e em particular à
publicidade, os anos entre 1924 e
1928 foram dos mais intensos para
Depero. Trabalhou muitíssimo para
diferentes empresas como
Verzocchi (tijolos refratários),
Richard Ginori (cerâmicas), Alberti
(Licor Strega), Bianchi (bicicletas),
Linoleum (pisos), Pathé (Cinema)’
Schering (farmacêutica),
Presbitero (lápis de cor), Vido
(nougat), Banfi (sabonetes), Rim
(digestivos), Rimmel (cosméticos)
e muitas outras. Mas foi
principalmente com a empresa
milanesa, produtora dos famosos
Bitter e Cordial Campari, que
Depero manteve uma estreita relação desde a metade dos
anos 20 até o início dos anos 3017. Para a Campari, Depero
produziu um enorme volume de esboços, nanquins, colagens
de papéis coloridos, projetos para maquetes publicitárias,
dos quais só uma mínima parte foi utilizada. Finalmente, em
setembro de 1928, partiu para New York onde foi o único
futurista a viver, de modo não ocasional, uma experiência
na grande metrópole norte-americana18. Realizou as
ambientações do Ristorante Zucca (toda a decoração e
pinturas murais) e do Ristorante Enrico and Paglieri
(infelizmente ambas perdidas), estudou soluções cênicas e
figurinos para o Roxy Theatre, figurinos para o balé American
Sketches, e para coreografias idealizadas por ele mesmo
como Cifre e Motolampade. Trabalhava também com
publicidade e ilustração, realizando capas de revistas como
“Vogue”, “Vanity Fair”, “Sparks”, “The New Yorker”, “New
Auto Atlas”, “Atlantica”, e outras.
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Arance di Sicilia [laranjas sicilianas], 1927
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Depero e i grattacieli [Depero e arranha-céus], 1930
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Depois de New York. O Museu Depero
A experiência americana modificou profundamente Depero,
eliminando aquele impulso vital em relação ao futuro que o
animava. Nova York, com seus altos arranha-céus luminosos,
mas com suas tristes periferias degradadas, mostrou-lhe o
verdadeiro semblante do futuro tecnológico que os futuristas
italianos sonhavam. E esse futuro não era a cidade radiante
imaginada pelos futuristas, mas um caótico e pululante
caldeirão de raças e pessoas aflitas, arquejantes, violentas
e assustadas. Não era um futuro para o bem do ser humano
e sim, talvez, sua prisão tecnológica. Voltou então para suas
montanhas, na região do Trentino, e retomou o contato com
a realidade, com a concretude, com os valores da terra e
da família. O retorno à pintura ressentiu-se deste estado
emocional e do colapso do impulso criativo sofrido pelo
fato de ter “verificado” aquele futuro tão ansiado. Nada
mais tinha a imaginar. E nada com que sonhar. Sua alegria
natural estava congelada e seu pincel também. Desacelerou
também suas atividades de gráfico publicitário, que o
tornaram conhecido ao longo dos anos 20 e passou a dedicase
à escrita: teoria e prosa. Publicou alguns números de
uma bela revista, “Dinamo futurista” (1933), compôs e
publicou Liriche radiofoniche (1934), concebidas
especialmente para a leitura radiofônica, e anunciou diversas
vezes um livro sonoro sobre a experiência nova-iorquina,
New York Film vissuto [Nova York, filme vivido], que
esboçou em grande parte mas que nunca veio à luz. Tratouse
da última “onda longa” da experiência americana que de
algum modo permaneceu em sua memória de visão por
muitos anos ainda. A essa altura, também suas conexões
com o Futurismo militante (do qual continuaria para sempre
a proclamar-se militante) eram cada vez mais raras. Acabou
se tornando, contra sua vontade, “mestre” de inúmeros
jovens futuristas da província de Veneza que frequentam
periodicamente Rovereto para homenageá-lo: era a chamada
“terceira geração” que lhe dava a impressão de que seu
início como futurista estava ainda mais distante. Em 1941,
realizou um grande mosaico em Roma para a Exposição
Universal de 1942 (a E42), mas uma nova guerra estava
sendo travada e Depero refugiou-se na tranquilidade alpina
da pequena localidade de Serrada, que muitas vezes retratou
em seus quadros. Lá, começou a pensar em seu futuro
museu: quase um paradoxo para um futurista que gritava
«vamos queimar museus e academias!».
Assim que a guerra acabou, tentou retomar os fios de sua
carreira e decidiu tentar uma nova aventura americana, mas
encontrou uma Nova York quase hostil, fechada ao
Futurismo: a guerra acabara há pouco tempo e as diferenças
ideológicas ainda estavam muito vivas. Como se não
bastasse, o inverno 1947-48 foi um dos mais frios de que
se tinha memória em New York. Nos primeiros meses
Depero não encontrou casa para morar, seja porque tinha
pouco dinheiro seja porque as vendas estavam paralisadas.
Por isso, passava as noites num sofá-cama que um amigo
havia colocado a sua disposição no escritório da empresa
Never Rust (“Ferrugem, jamais”!), que produzia camas,
parapeitos e outros artigos de ferro. Depero só podia entrar
no escritório depois do fim do expediente, e tinha de sair
antes que os funcionários chegassem. Durante o dia
vagueava pela cidade, tremendo de frio, em busca de algum
cliente. À noite, cansado e arrasado, podia aquecer-se
naquele pequeno refúgio. O nome da empresa soava como
uma ironia a seus ouvidos. Mas Nova York colocou-o em
contato com os surrealistas e com o interesse
antropológico, o que trouxe uma lufada de novidade à
produção dos últimos anos. Felizmente, na primavera de
1948 sua esposa Rosetta reuniu-se a ele e, juntos,
transferiram-se a Merryhall, perto de New Milford no
Connecticut, hóspedes na casa da esposa de William
Hillman, secretario do presidente dos Estados Unidos,
Truman.
Muitas das obras do período entre a metade dos anos 30
até os anos 50 trazem a marca de um vivo interesse rural.
Às vezes, objetos de uso doméstico (Natura morta accesa
[Natureza morta acesa]), às vezes grupos de casas ou vistas
de montanha (Ritmi alpestre [Ritmos alpinos]), outras vezes
os ritmos de trabalho e eventos do cotidiano. Neste
contexto, que é tudo menos sinônimo de modernidade,
nestas visões penosas, manifestadamente estáticas, Depero
introduzia simbologias futuristas, como fossem bocados de
memória, e plasmava a paisagem alpina, como se fosse um
cristal. Em 1944 pintou Rito e splendori d’osteria [Rito e
esplendores de taberna] que assinalou um firme retorno à
melhor pintura: interpenetrações, arquitetura da luz,
perspectiva múltipla, aparente monocromia, mas usada com
inteligência. E, em seguida, revisitou a si próprio, com uma
série de obras que retomavam a memória dos melhores
momentos além do dinamismo e a análise do movimento
(Nitrito in velocità [Relinche em velocidade] e Colpo di vento
[Rajada de vento] ).
Trata-se de obras que, conforme o êxito que atingiam, ao
unir estilos e no novo e esplendoroso cromatismo, assumem
tons poéticos e representam bem o caminho do artista
durante os últimos anos, dividido entre a incógnita de seu
futuro artístico e a saudade de seus melhores anos.
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Notas
1 Giacomo Balla e Fortunato Depero, Ricostruzione futurista
dell’Universo [Reconstrução futurista do universo], folhetomanifesto,
Milão, 1915.
2 Depero foi assinante da revista “Lacerba” desde os primeiros
números.
3 “Quebras”, sentido aproximado em português [N.t]
4 Trecho citado por Maurizio Calvesi na análise dos motivios
originários do Futurismo, in “L’Arte Moderna”, vol. V, Milano,
1973.
5 ‘Complexos plásticos’: composições não figurativas de
papelão, metal, seda e outros materiais de uso comu [N.t.].
6 Mario Broglio, L’Esposizione romana di Depero, in “Cronache
d’Attualità”, Roma, 31 maggio 1916.
7 Para uma análise detalhada do trabalho de Depero por
Diaghilev: Bruno Passamani, Depero e la scena da “Colori”
alla scena mobile 1916-1930, Torino, 1970.
8 Sobre as vicissitudes relativas à produção do laboratório dos
arazzi: Maurizio Scudiero, Depero. Magia degli arazzi, Trento,
1992, e também: Maurizio Scudiero, Depero. Stoffe futuriste,
Trento, 1995.
9 Referência a Tanzende Plastik (Plasticità danzante), publicado
em “Neue Zürcher Zeitung”, Zurigo, 19 maggio 1918 (artigo
anônimo mas de Albert Sautier).
10 Bruno Passamani, Splendore d’acciaio: Depero e la
Macchina, in Depero (monografia), Rovereto, 1981.
11 “Rovente futurista”, n. 7-8, Parma, 1923.
12 Walter Gropius, Programm des Staatlichen Bauhauses in
Weimar, in Bauhaus. Weimar, Dessau, Berlin, Chicago, curador
Hans M. Wingler, MIT, Cambridge, 1981.
13 Escola de nível superior em Rovereto criada quando a cidade
fazia parte do Império Austro-Húngaro e orientada às artes
aplicadas [N.t.].
14 Fortunato Depero, Depero futurista 1913-1927, Milano,
Dinamo-Azari, 1927.
15 in: Luigi Scrivo, Sintesi del Futurismo. Storia e Documenti,
Roma, Bulzoni, 1968.
16 P.L. Fortunati, Futuristi italiani all’Esposizione Internazionale
d’Arte Decorativa di Parigi, in “L’Impero”, Roma, 21 giugno
1925.
17 Sobre essa questão: Maurizio Scudiero, Depero per
Campari, Milano, 1989.
18 Sobre a experiência nova-iorquina de Depero: Maurizio
Scudiero e David Leiber, Depero futurista & New York,
Rovereto,1986.
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